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Entretanto, sem a máquina de costura e os tecidos, sem a agulha, nem botões, nem a linha.
O que ela costura está nos movimentos simples e insistentes das mãos e dos pés que simulam estar trabalhando com os pedais da máquina. O que ela costura está nessa memória devastada pelo Alzheimer, mas preservada nesse novo mundo dela em um movimento repetido, sistêmico e inacabável.
É possível identificar, pois é como se estivesse fazendo uma bainha, como se estivesse endireitando as pontas de um tecido, como se estivesse testando as mais diferentes texturas e toques das roupas.
Na coberta que a cobre, na blusa que a veste, na almofada que a aconchega ela dá um jeito de “costurar”. O movimento das mãos mostra ainda uma preservada habilidade com qualquer tecido. E o incessante movimento dos pés nos “pedais” só ganham intervalo, se pousar as minhas mãos sobre as suas pernas e sugerir olhando firme nos seus olhos “agora pára, vamos descansar um pouco!”
É curioso ver, pois temos a impressão de que na memória afetiva dela está preservada a enorme satisfação que sentia ao costurar.
O trabalho não termina. Se quero que ela descanse, seguro em suas mãos, que não fazem intervalo, não tomam café, tão pouco se distraem com outros afazeres.
Me aproximo, elogio a costura, a escolha do tecido, o capricho empregado sempre e em todos os detalhes, enternecendo a voz, buscando um diálogo que já não acontece mais, pelo menos entre eu e ela, mas que tenho certeza parece existir entre ela e a habilidade de costurar.
É preciso terminar a tarefa iniciada, então percebo que dona Anninha tem no inconsciente ainda algo a produzir.
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